Cobrança de IPTU a concessionárias de serviço público – Análise econômica do Direito

Uma das questões recentes em debate no ordenamento jurídico envolve o equilíbrio entre o funcionamento do nosso complexo sistema tributário e a segurança jurídica de contratos de parceria com o Setor Público, especialmente no tocante à cobrança, pelos Municípios e Distrito Federal, do Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana (IPTU) em relação a imóveis utilizados pelas concessionárias de serviço público para execução do escopo de seu respectivo contrato de concessão.

Para além da necessária análise do tema sob a ótica tributária, uma vez que há entendimento dominante no sentido de que a imunidade tributária recai sobre o imóvel de propriedade púbica, seja ele usado diretamente pela Administração ou por concessionárias de serviço público,  buscamos aqui uma reflexão da questão à luz da Análise Econômica do Direito (AED).

Por meio desta, é possível identificar potenciais efeitos nocivos de eventual entendimento de incidência do IPTU sobre os imóveis públicos utilizados pelas concessionárias, gerando relevantes impactos econômicos e sociais e afetando a segurança jurídica dos contratos de concessão. 

Nas palavras do prof. Ivo T. Gico Jr:

“A Análise Econômica do Direito nada mais é que a aplicação do instrumental analítico e empírico da economia, em especial da microeconomia e da economia do bem-estar social, para se tentar compreender, explicar e prever as implicações fáticas do ordenamento jurídico, bem como da lógica (racionalidade) do próprio ordenamento jurídico.” (EALR, V. 1, nº 1, p. 7-33, Jan-Jun, 2010)

No caso em questão, ficam evidenciados inúmeros impactos tanto nos casos da cobrança retroativa do IPTU às concessionárias, quanto na eventual modulação de efeitos em uma decisão que considere a cobrança a partir de um marco temporal possível por meio de entendimento futuro do STF.

Quanto aos impactos da cobrança retroativa, temos inicialmente sensível abalo na segurança jurídica dos contratos, que passaram pelos tramites do devido processo legal, culminando por fim com a assinatura do contrato, com a devida validação da Administração Pública das condições efetivas da proposta no certame licitatório. E tal não considerava a incidência de IPTU com relação a imóveis utilizados na prestação de serviços públicos delegados.

As Concessionárias não são empresas típicas da iniciativa privada cujo único objetivo é a distribuição de lucros, eis que estão submetidas ao regime de concessões, regulado pelo direito público e voltado à prestação adequada e eficiente de serviços públicos à população, nos termos da lei 8.997/95.

No entendimento do de Celso Antônio Bandeira de Mello, concessão de serviço público “é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceite prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço”.

Temos, portanto, uma natureza jurídica que se difere daquela existente no âmbito estrito da atuação de empresas regidas pelo direito privado.

Os contratos de concessão celebrados entre os entes públicos e o investidor privado não previam a incidência de IPTU como parte da equação para a formação do preço de concessão. Ainda, importa observar que as cortes superiores tinham entendimento pacífico quanto a não incidência do IPTU na utilização de imóveis por delegatários de serviços públicos.

Assim, nos contratos em andamento, quando se firmou a concessão do serviço público, o IPTU não era considerado para análise e cálculo de tarifas/preços, consequentemente não integrou a base de cálculo das concessionárias na elaboração de sua proposta. Contudo, o IPTU possui relevante impacto econômico e afeta diretamente a relação firmada entre o ente Concedente e a concessionária de serviço público.

Ou seja, há nítido desequilíbrio econômico-financeiro ao cobrar vultosos recursos do imposto às concessionárias, demandando portanto a necessidade de repactuação de todos os contratos de concessão hoje vigentes, sob risco de inviabilidade de manutenção da concessão.

Assim, para o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão existentes, há possíveis alternativas de repactuação a serem negociadas caso a caso. Em nosso entender, todas as alternativas geram prejuízos não só na eficiência da prestação dos serviços como no próprio racional da modelagem dos contratos de parceria. O esforço para conduzir uma massiva revisão de contratos de concessão em razão dessa inesperada incidência tributária resultará inúmeros e custosos processos administrativos para discutir o impacto desses custos na equação financeira da concessão.

Isto porque, ou o investidor vê-se obrigado a dilatar os investimentos obrigatórios acordados no contrato de concessão, ou a buscar a indenização junto ao ente concedente.

Ou ainda, há a possibilidade de efeito mais danoso, que é o aumento de tarifa, prejudicando diretamente o principal alvo da prestação do serviço, que é o usuário final.

Quanto ao efeito sob futuros projetos de concessão, é sabido que a estruturação de tais projetos demanda longos estudos e a consideração de inúmeras variáveis, para que a concessão se torne não só eficiente, mas gere atratividade econômico-financeira.

Não raro, percebemos no passado licitações “vazias”, em que não se apresentavam propostas pela própria inviabilidade econômico-financeira e operacional do serviço ofertado.

Ou seja, há um esforço considerável, tanto do concedente quanto do ofertante, para chegar-se a uma proposta que gere atratividade financeira e, ao mesmo tempo, não onere exacerbadamente o usuário final que paga a tarifa.

Incluir um imposto tão oneroso quanto o IPTU em grandes concessões não só impacta diretamente o preço da proposta, diminui a atratividade do projeto e, por consequência, diminui a concorrência, podendo gerar a inviabilidade do certame.

Em suma, à luz da AED, a cobrança de IPTU às Concessionárias de serviço público gera graves danos no próprio princípio norteador das concessões públicas, que é prover serviços mais eficientes ao usuário, garantindo ao privado retorno equilibrado sobre o seu investimento. A reforma do entendimento de não incidência do IPTU nas concessões existentes e futuras, certamente irá causar um imbróglio jurídico entre o ente concedente e o Município. Logo, causará prejuízos práticos ao consumidor, à concorrência e à administração pública.

Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/386312/cobranca-de-iptu-a-concessionarias-de-servico-publico

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